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Desesperar jamais. Tente outra vez.

Do BLOG da Editora Timo

Eu não sou palhaço. Estão me fazendo de palhaço...

por Dr. Moises Chencinski - colunista

24/11/2025

Vai ser um texto longo, bem crítico, e eu quero prender tua atenção do começo ao final. Tudo nele é relevante. Cada parte dessa publicação importa. E, para concluir, vou trazer uma proposta de ação real e possível. 

Para quem não me conhece, sou homem branco, cis, casado, já de terceira idade (acima de 60 anos segundo a OMS), pediatra, sem filiação partidária, membro da Rede IBFAN-Brasil, sem nenhum conflito de interesses e com compromisso com a ética, a ciência e a informação.

Esse artigo poderia ter muitos títulos e muitas linhas finas. Escolhi um, mas os outros vão aparecer no decorrer do texto, ilustrando cada parte dele. E cada parte dele mereceria (ou merecerá) um material específico. A proposta aqui é trazer FATOS para conhecimento e avaliação dos leitores, mas com um alerta para as incongruências entre o que se propõe, o que se divulga e o que de fato acontece. Atenção ao como a notícia é divulgada.


1)   As taxas de aleitamento materno exclusivo aumentam no Brasil
Não poderia começar de outra forma. Sempre cito a última pesquisa das taxas de aleitamento materno no Brasil – o ENANI-2019. Está em andamento a coleta de dados para uma atualização pós-pandemia, que deverá ser publicada em meados de 2.026.

Entre a pesquisa de 2006 e a de 2019, o aleitamento materno exclusivo em crianças abaixo de 6 meses teve um aumento de 8,6%. Muita gente, incluindo profissionais da área, ficou satisfeita (eu não consegui). Nesse mesmo período, as indústrias de fórmulas lácteas comerciais (FLC) tiveram aumento no seu volume de venda de 103% e de 122,4% em seus lucros e elas não ficaram satisfeitas, buscando formas diferentes para ganharem ainda mais, com o uso e abuso de estratégias de Marketing, especialmente as consideradas ilegais pela legislação vigente (Lei Nº 11.265 / 2006 – a NBCAL)


2)   Aumenta a licença-paternidade no Brasil
De acordo com a CLT(?), a licença-paternidade remunerada pela empresa é de 5 dias corridos (ou seja, uma esmola-paternidade, não é?). Para pais que trabalham em Empresas Cidadãs (pouco mais de 1% das empresas que podem requerer esse direito), a licença é estendida para 20 dias, em troca de benefícios fiscais. Dentro desse período (5 ou 20 dias), é esperado que o pai possa prestar assistência e compartilhar, de forma mais ampla e abrangente, dos cuidados da casa, da esposa, dos filhos. Terminado esse prazo, o pai retoma o seu trabalho em tempo integral (e o tempo de deslocamento de ida e de volta), enquanto a mulher “desfruta” (contém sarcasmo), solitária, da licença-maternidade remunerada de 120 dias (180 nas Empresas Cidadãs), assumindo a imensa maioria das responsabilidades. Isso não é válido para trabalhadoras do serviço informal (sem direitos trabalhistas, se não contribuem com o INSS), que não têm um período de afastamento remunerado.

O Projeto de Lei (PL) 3935/2008, apresentado pela Senadora Federal Patrícia Saboya em 2008 (isso mesmo, há 17 anos), que regulamenta a licença-paternidade, após longa tramitação, chegou à Câmara dos Deputados para avaliação e aprovação, com a proposta de aumento para 30 dias escalonados. Assim, começando em 2027 (isso mesmo, não em 2.026) com uma progressão de 5 dias a mais por ano, chegando aos 30 dias em 2031 (e tem gente que acha isso ótimo e uma grande evolução – em 6 anos). Esse custo, que antes era da Empresa (os 5 dias), passa a ser da Previdência Social.

Quando tudo caminhava para essa aprovação, através de uma “negociação em Plenário” (se chama Lobby), mesmo com o custo transferido à Previdência, houve uma mudança dessa proposta (para menos, logicamente), através de pressão do CNI (Confederação Nacional da Indústria) e do Fecomerciosp (Federação de Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo). Assim, o total de acréscimo de licença-paternidade foi reduzido para 20 dias. Em 2.027 e 2028 – passa a 10 dias, em 2029 para 15 dias, chegando aos 20 dias em 2030. 

Essa foi a proposta aprovada na Câmara dos Deputados e que volta, agora, ao Senado, como um substitutivo, para aprovação.


3)   Igualdade salarial entre mulheres e homens agora é lei no Brasil
Em 3 de julho de 2.023, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei nº 14.611, que reforça a necessidade da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres e tem, como uma de suas principais inovações, a obrigação das empresas de direito privado com 100 ou mais empregados de apresentar, duas vezes ao ano, o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, sob pena de multa.

Explicando de forma bem simples: um homem e uma mulher que trabalham na mesma empresa, exercendo a mesma função, devem receber o mesmo salário e ter os mesmos direitos (#falaserio que precisava de uma lei para isso).

Um documento conjunto do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério das Mulheres e do Governo Federal, a Cartilha Tira-Dúvidas sobre a lei (março de 2.024), traz essa informação.

No Brasil, de acordo com os dados do IBGE, as mulheres recebem, em média, 20,4% a menos do que os homens, sendo que, entre as mulheres negras a diferença é ainda maior, 39,2%.

De acordo com a publicação do FORBES – Mulher (04/11/2025), dados do 4º Relatório de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios, divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, mostram que “mulheres recebem 21% menos que homens no setor privado” (remuneração média das mulheres foi de R$ 3.908 contra R$ 4.958 dos homens).

A matéria ainda traz que “pelo recorte de raça, persiste a diferença salarial elevada entre mulheres e homens negros. Na admissão, a diferença é de 33,5%. No rendimento médio, as mulheres negras recebem menos da metade do salário dos homens não negros: são R$ 2.986 contra R$ 6.391.”

Teria pelo menos mais 3 assuntos para seguir na mesma linha, mas acho que já consegui passar a ideia de que é necessário grande cuidado com o que se lê, com o como se lê e com a forma de apresentação de uma notícia. Sempre vale ir mais fundo, antes de se assumir a “boa-fé” e as “boas intenções” dos propósitos.


Técnicas de “manipulação”

Já ouviram o ditado: “Nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que balança cai”? A cada dia (ou hora, ou minuto), técnicas de marketing são criadas ou, mais frequentemente, relançadas com uma roupagem nova (repaginadas, releituras são alguns dos termos usados). Como o tempo passa e a memória nem sempre é fiel e pode ser enganada ou manipulada, aquele pezinho atrás é fundamental.

E essas “armas” podem vir de qualquer fonte. Basta serem... maquiadas e não serão reconhecidas.

Na arte da Mágica e do Ilusionismo, uma das ações mais vitais para o sucesso se chama MISDIRECTION OU DESORIENTAÇÃO. Essa técnica é usada como forma de esconder como a magia acontece, baseando-se, até, na neurociência. Em resumo, é a arte de chamar a atenção para o lugar errado. A desorientação consiste em despertar o interesse do espectador em algum objeto, pessoa ou ideia, desviando-o do método do mágico, durante os momentos em que o artista realiza o truque secreto (ou subterfúgio), possibilitando assim sua execução despercebida.

Os títulos das matérias acima (entre milhares de outros semelhantes) são utilizados para atrair a atenção do leitor que, quando não vai a fundo da matéria, fica só com a impressão inicial. Quanta gente você conhece que te passou uma informação, “enganado” por ter lido apenas a chamada, e que, ao final, se provou uma MISDIRECTON (para ser mais chamativo em inglês)?

A outra base das informações é o OURO DE TOLO (não se ofenda). Na química, refere-se à pirita, um mineral de sulfato de ferro que tem cor e brilho parecido com o ouro, mas com valor infinitamente menor e que enganou muita gente. Essa expressão passou a ser utilizada para descrever coisas que parecem muito valiosas, mas que, na verdade, são inúteis ou desapontadoras, como uma falsa promessa ou um mau investimento. 

Muitas vezes, somos enganados pelas manchetes de jornais, por marketing de vendas, que abusam da nossa pressa, desatenção, da busca pela vantagem (financeira, por exemplo, com descontos – tipo a Black Friday que promete vender tudo pela metade do preço, que foi bem aumentado antes de ter o desconto). Nenhum tempo destinado a um maior conhecimento do que chamou a nossa atenção é desperdiçado. Ao contrário, esse tempo a mais dedicado a entender melhor a situação pode prevenir e evitar que “compremos gato por lebre” (que sejamos enganados).

Poderia, também, citar outras estratégias utilizadas como o Panis et Circenses (Pão e Circo), lá do Império Romano (pão de graça – lembrando que “não existe almoço grátis” - e os gladiadores) para distrair o povo das reais questões sociais da época (ainda usada hoje em dia), ou de bordões (como “Eu não sou palhaço, mas estão me fazendo de palhaço”, eternizado por Jô Soares).


TENTE OUTRA VEZ (Raul Seixas e Paulo Coelho – 1975)

Queira (queira)

Basta ser sincero e desejar profundo
Você será capaz de sacudir o mundo
Vai, tente outra vez.

Tente (tente)
E não diga que a vitória está perdida
Se é de batalhas que se vive a vida
Tente outra vez.”

Acompanhando e informando, esclarecendo e apontando, relembrando e escrevendo, mesmo que “gerundiando”, a cobrança é por soluções. Não sei se tenho, mas propostas... Já fiz algumas... (e fica claro porque eu vou continuar sendo pediatra...).

O Ano Nacional do Aleitamento Materno (ANAM) ou a Bolsa-Tetê (para que trabalhadoras do setor informal possam ter o aleitamento materno exclusivo por mais tempo) foram duas delas. Mas de onde retirar dinheiro para isso? Então me acompanhem.


Fundo Partidário e Fundo Eleitoral

Os políticos que se candidatam a um cargo público visam (ou deveriam visar) o bem-estar da população com ações que beneficiem o maior número de cidadãos possível.

FUNDO PARTIDÁRIO - Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, uma das principais fontes de recursos públicos para a manutenção das agremiações políticas e despesas cotidianas das legendas, distribuídos da seguinte forma:

5% - Em partes iguais a todos os partidos com estatutos registrados no TSE.
95% - Repartidos às legendas na proporção dos votos obtidos por cada uma delas na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.

No 1º semestre de 2.025, segundo o TSE, 19 partidos receberam R$ 573 milhões pelo Fundo Partidário (pressupondo o mesmo valor para o 2º semestre, um total de 1,1 bilhões).

FUNDO ELEITORAL

Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) - recursos públicos disponibilizados como fonte de receita aos partidos para serem utilizados nas campanhas políticas durante as eleições no Brasil, distribuídos da seguinte forma:

2% igualmente entre todos os partidos;
35% entre os partidos com ao menos um deputado;
48% entre os partidos na proporção do número de deputados;
15% entre os partidos na proporção do número de senadores.

O FEFC passará de 1 bilhão de reais (em 2.024) para 4,9 bilhões de reais (em 2.026).

Em um cálculo básico, os recursos públicos utilizados, somando-se os Fundos Partidário e Eleitoral em 2.026, serão na faixa de 6 bilhões de reais.

E se 5% (300 milhões de reais) desse valor total (uma taxa modesta para começar) fosse destinado como parte da verba necessária para ajustes nas Políticas Públicas que beneficiariam a população brasileira como um todo?

Com certeza, esse valor não resolveria os problemas, mas já não seria uma demonstração de boa-vontade, um primeiro passo, dos representantes eleitos para com a população que os elegeu e que eles se propõem a proteger e defender?

A essa “contribuição inicial simbólica”, com criatividade, generosidade e justiça, poderiam ser incorporados outros “pequenos percentuais” de verbas governamentais que gerariam, com toda certeza, uma esperança de dignidade às famílias brasileiras.

Será isso “sonhar mais um sonho impossível”?

Só poderia concluir esse texto com mais um alento ao nosso tão sofrido, esperançoso e resiliente povo brasileiro, citando uma música de Ivan Lins e Vitor Martins (1979).

Desesperar, jamais

Aprendemos muito nestes anos
Afinal de contas, não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo
Nada de correr da raia
Nada de morrer na praia
Nada, nada, nada de esquecer”.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545