Do site da Crescer
Em sua coluna deste mês, o pediatra Moises Chencinski reflete sobre como as mães são bombardeadas por informações sobre amamentação, principalmente com a promessa de uma solução para superar todos os problemas — “Hoje é um texto com muitas explicações.”
por Dr. Moises Chencinski - colunista
30/10/2025
Hoje é um texto com muitas “explicações”.
A primeira delas é #tbt (postado sempre com hashtag - #).
TBT é a abreviação de um termo em inglês (Throwback Thursday - traduzida como “De volta para Quinta-Feira”) com origem incerta. Uma das versões mais aceitas é de uma marca de calçados (Nice Kicks) que, em 2006, criou uma série de postagens sobre tênis antigos, publicada sempre às quintas-feiras.
Eu sempre gostei de escrever e um passo marcante foi quando passei a fazer parte do grupo de colunistas da Crescer. E o meu primeiro texto da coluna Eu Apoio Leite Materno (daí o #tbt), escrito no dia 6 (uma quinta-feira), mas publicado no dia 7 de maio de 2021, foi: "Amamentar é natural, é simples, é fácil. Só que não!".
E a linha fina (uma frase curta que aparece logo abaixo do título e que serve como um gancho para explicar um pouco do texto) da matéria era:
“Essa foi uma frase que circulou por muito tempo nos meios médicos, entre as famílias, nas redes sociais. Talvez, um dia, tenha sido. Porém, amamentar é uma escolha, é uma cultura, é mais solitário do que deveria ser, é ciência!”
Já desde há muito tempo, uma série de afirmações e questões sobre o aleitamento materno me intriga.
- O leite materno é o “padrão-ouro” da alimentação infantil;
- A recomendação da Organização Mundial da Saúde é o “aleitamento materno desde a sala de parto até dois anos ou mais, exclusivo e em livre-demanda até o sexto mês”;
- As taxas de aleitamento materno no Brasil tiveram um grande aumento entre 1976 e 2006 (30 anos), mas, desde então, os estudos comprovam uma quase estagnação desses níveis (8,6% de aumento do aleitamento materno exclusivo em crianças abaixo de 6 meses entre 2006 e 2019 – 13 anos);
- Amamentar, que era um ato “íntimo”, cultivado, protegido e apoiado culturalmente pela ancestralidade, pela família, por outras mulheres com experiência anterior, passou a sofrer a intervenção de muitos “atores coadjuvantes”, como no enredo de uma novela, com mocinhos, vilões, reviravoltas que acabaram com essa privacidade;
- A díade mãe-bebê (lactante-lactente) tem sido cercada, bombardeada, invadida, por muitos interessados, alguns interessantes e outros interesseiros, muitos deles nem convidados, inclusive através da “força da grana que ergue e destrói coisas belas” (que Caetano Veloso não cobre royalties de tanto que eu uso essa expressão);
- Pediatras, enfermeiras, fonoaudiólogas, odontopediatras, nutricionistas, psicólogas, fisioterapeutas, osteopatas, doulas, consultoras, farmacêuticos, assistentes sociais, laserterapeutas, cirurgiões, otorrinos, mastologistas, obstetras, ginecologistas, pesquisadores são parte dos profissionais de saúde materno-infantil envolvidos, de alguma forma e em algum momento, no “processo da amamentação”;
- Mesmo querendo “ajudar”, muitas vezes, de forma isolada, sem um trabalho organizado de equipe multiprofissional, os resultados podem (e costumam) não ser tão favoráveis, abrindo brechas para a influência dos que influenciam (sim, repetição intencional) e “criam dificuldades para vender facilidades” (foco da indústria, que sempre, sem nenhuma exceção, visa o lucro);
- E o que me motivou a escrever esse texto hoje, depois de tudo isso, é a sensação de que cada um (e todos) imagina que tem a única resposta para todos os desafios da amamentação, que ninguém viu antes. E sabe o que é mais impressionante? Todos eles acertam e têm sucesso em tudo o que tentam. Ninguém erra. Pelo menos nas redes sociais, nas aulas, nos grupos de que participam, nos cursos que criam e vendem online, todos têm 100% de sucesso e desatam todos os nós.
Acho que ou eu tive uma formação ruim (em amamentação até que foi ruim mesmo, como ainda é hoje nas universidades), ou não estudei depois, ou não tive experiência com mães, ou as mães com as maiores dificuldades só chegam pra mim, ou que eu não trabalho em equipe, ou tudo isso junto, mas eu não consigo ter todos esses resultados sensacionais que tanta gente tem (ou, pelo menos diz ter).
Na pesquisa para esse texto, “caiu na minha tela” (modo de falar, né?) um poema de Álvaro de Campos, um heterônimo (já, já com mais explicações) de Fernando Pessoa, que vou trazer aqui chamado “Poema em linha recta” (Lisboa – 1944) – que parece ter sido escrito para esse tipo de situações:
“Nunca conheci quem tivesse levado porrada
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”.
“Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?” 
Álvaro de Campos foi um dos heterônimos mais conhecidos do escritor português Fernando Pessoa.
Heterônimo: Diferente de pseudônimo, que é só um “nome falso” que alguém usa para disfarçar a autoria, Fernando Pessoa criou personalidades literárias completas, com biografias, vida e voz próprias, para assinar suas obras. São personagens fictícios e características distintas das de Pessoa. Entre os muitos (alguns dizem perto de 70) atribuídos ao poeta, ele teria criado apenas a biografia de três: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Sinto que esse poema meio que “resume” parte da minha sensação e da minha surpresa. Como é que tem tanta gente que sabe tudo, que resolve tudo, que não erra nunca e ainda ganha dinheiro com isso e eu tenho tantos desafios que não consigo resolver?
E o que mais me chama a atenção é que a díade (Mãe-bebê - lembra dela?) e toda a sua ancestralidade ficam, a cada dia, mais separadas, afastadas, soterradas, invisibilizadas, cercadas e, ao mesmo tempo, mais desprotegidas, mais confusas, mais (desculpe o termo, mas não achei outro melhor) desempoderadas do que era a sua maior força, sua natureza.
E a voz dessas mulheres? Quem escuta de verdade? Criadores de políticas públicas? Profissionais de saúde? Onde estão as mães que participam direta e ativamente dessas ações?
Amamentar não é simples. Amamentar não é fácil. Amamentar está correndo sérios riscos de deixar de ser natural. Nutrizes (as lactantes) carecem de escuta, de visibilização, de reconhecimento, de respeito. Como não incluir quem amamenta nesse processo? Isso é tão óbvio...
"Tristes tempos estes, meus caros, quando a toda hora, nós somos obrigados a defender o óbvio."
Atribuído a Bertolt Brecht 
As perguntas e esses questionamentos são antigos e recorrentes. Fui e sou cobrado por propostas. Tenho muitas, penso em várias, mas não encontrei a solução (ou soluções) ideal.
Podcasts? Rodas de Conversas? Espaços para as mulheres escreverem seus próprios textos? Um novo documentário? Eleger mais mulheres para política?
Proponho uma reflexão e uma enquete (podem mandar para mim aqui ou nas minhas redes sociais):
O que você, mãe, mulher, sente que precisa e que seria eficaz para proteger, apoiar e promover a sua amamentação?
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545