Do site da Crescer
"Que cada um de nós, profissionais de saúde materno-infantil ou qualquer pessoa que encontre uma mãe em seu período de amamentação, tenha a consciência de que “ela é uma”, ela é única e que “ela compõe a sua história”. Nada pode ser comparado", reflete o pediatra e colunista da CRESCER
por Moises Chencinski - colunista
10/09/2025
Sábado. Minha mãe em casa. Almoçamos. Na frente da TV, por volta das 15 horas. Programa do Mion (sim, estava na plim, plim) com homenagem aos 80 anos de Renato Teixeira, compositor (“Romaria”, “Amanheceu, peguei a viola”, “Carga Pesada”, entre outras), cantor, músico brasileiro.
Muitas lembranças levando a conversas sobre o passado, anos 70 / 80, família, outros artistas da época (aparece uma mensagem do Lima Duarte, 95 anos, que também nos remeteu a mais e mais recordações).
A conversa fluía, o programa acontecia e, do nada (lógico que não é do nada) ... Um clássico da música sertaneja: Tocando em Frente (composição de Almir Sater e Renato Teixeira, gravação de Maria Bethânia em seu álbum de 25 anos – 1.990 e ganhadora dos prêmios de Canção do Ano na Categoria Especial e de Melhor Canção na Categoria MPB do Prêmio Sharp de 1991). Gosto muito dessa música. E, com tempo, prestando atenção na letra, alguns versos me chamaram mais a atenção e no final:
“Cada um de nós compõe a sua história
E cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz.”
Tantas vezes eu ouvi, mas hoje essa estrofe me tocou de uma forma muito especial. Ela poderia se relacionar a tantas questões práticas, espirituais, filosóficas da vida, mas, essa é uma coluna que aborda, ou pelo menos tenta chamar a atenção para o aleitamento materno, na maior amplitude possível de suas facetas, especialmente as que parecem não ser tão perceptíveis a todos.
Tocando em frente o aleitamento materno
Esse agosto dourado de 2.025 foi dos mais intensos que eu já vivenciei. Uma maratona que foi documentada aqui.
Preparei 3 apresentações e, para isso, pesquisei, estudei demais. Vi muitas ações especiais de profissionais de saúde materno-infantil, de comunidades, de grupos de mães, em universidades, escolas, UBS, presenciais e online que reforçaram minha percepção a respeito da importância da informação e da comunicação para dar visibilidade e conhecimento sobre o tema.
Nessas viagens (e mesmo entre elas), ouvi e levei vozes de origens múltiplas e diferentes, vozes que são muito presentes e vozes que, silenciadas por muito tempo, tiveram a oportunidade de se manifestar, vozes brasileiras regionais de diversos tons e melodias, vozes que me acolhiam e me provocavam.
E uma frase que representou muito o que eu penso sobre amamentação esteve presente comigo em toda a trajetória e, certamente, vai direcionar minha história.
Sou uma, mas não sou só.
E, junto com a frase uma outra música muito potente:
POVOADA – de Sued Nunes, que traz a seguinte introdução falada:
“Ei, Povoada é um-um nome curioso né? Por que a gente sempre fala de Povoada em relação à Terra né? A Terra é povoada, mas também sou terra, a gente também é terra de povoar”.
E a letra, aparentemente simples, é tão abrangente que fica difícil não se sentir impactado. Fala de solidão, de conexão, de celebração da comunidade e da ancestralidade, “onde cada indivíduo é visto como um portador de histórias, culturas e vivências coletivas”, com “vozes, memórias e espíritos que nos acompanham e nos fortalecem.”
Povoada
Quem falou que eu ando só?
Nessa terra, nesse chão de meu Deus
Sou uma, mas não sou só
Povoada
Quem falou que eu ando só?
Tenho em mim mais de muitos
Sou uma, mas não sou só
Reflexão para uma vida dourada
Ao apresentar esse vídeo com a música ao final das minhas palestras (e agora também), e “tocando em frente”, reforço a importância da informação e da comunicação. Porém, para mim, mais vital e indispensável quando se aborda a amamentação é o olho no olho, é o pele-a-pele, é o um a um, com escuta ativa, empatia, sem julgamentos.
Que cada um de nós, profissionais de saúde materno-infantil ou qualquer pessoa que encontre uma mãe em seu período de amamentação, tenha a consciência de que “ela é uma”, ela é única e que “ela compõe a sua história”. Nada pode ser comparado.
E que cada mãe, após esse encontro, tenha em seu coração a certeza de que ela “carrega em si o dom de ser capaz” e que “ela não está só”, que ela está povoada não só de sua história, mas de uma imensa rede de apoio. Que ela é vista, escutada, sentida em toda a sua beleza, sua imensidão, sua potência e seja respeitada e apoiada em sua fragilidade, sua sensibilidade e vulnerabilidade.
E que ela seja sempre escutada. Como abordar, fazer políticas públicas, estudar, pesquisar aleitamento materno sem escutar quem amamenta? E essa necessidade de escuta realça uma frase que também está na raiz do aleitamento materno (e que também já foi texto meu): NADA SOBRE NÓS, SEM NÓS.
E só assim, com essa percepção e com a alma povoada, para que cada mãe possa, de fato, tocar em frente “e ser feliz”.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545