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Amamentar já é uma maratona

Do site da Crescer

“Não sabendo que era impossível, ela foi lá e fez”

por Moises Chencinski - colunista

05/08/2025

Essa é uma frase atribuída a Jean Cocteau, um cineasta francês, há mais de um século e que pode ser bem utilizada para Stephanie Case, 42 anos, vencedora de uma ultramaratona (100 km – Snowdonia), no Reino Unido.

Se ainda não pensaram, certamente vão levar essa história para as telas. Pelo menos, eu faria se tivesse as condições. Vejam o roteiro.

- Uma mulher pratica corrida de alta performance e quer engravidar.
- Ela é uma advogada de Direitos Humanos, trabalhando em zonas de guerra.
- Ultramaratonista e Fundadora e Presidente do Conselho da Free To Run.
- Essa instituiçãocapacita mulheres jovens e meninas em áreas de conflito.
- Teve dois abortamentos espontâneos nessa trajetória.
- As pessoas diziam que ela precisava parar de se exercitar para ter um bebê.
- Ela parou de correr e, mesmo assim, teve outro abortamento.
- Conseguiu engravidar (fertilização in vitro) e deu prioridade à gestação.
- Esperou 6 semanas (um mês e meio) pós-parto e recomeçou seus treinamentos.
- Treinamentos sob controle de profissionais da área (rede de apoio).
- Seis meses após o parto acharam que dava para competir uma ultramaratona.
- Essa corrida de 100 km, com 6.440 metros de subida, na trilha de Snowdonia.
- Teve que largar 30 minutos após os líderes por não ter ranking (3 anos parada).
- A cada parada, com o apoio do pai que levava Pepper (a bebê), amamentava.
- Terminou a corrida com o tempo de 16hs53min22seg.
- GANHOU A CORRIDA, 4 MINUTOS À FRENTE DA SEGUNDA COLOCADA.

E a cena final poderia ser a largada do próximo desafio, independente do resultado:
- Hardrock Endurance Run, ultramaratona de 165 km, julho, no Colorado (EUA). 

ABSOLUTE CINEMA
Ah! Fala sério. É ou não é roteiro perfeito para um filme de superação? Vai. Pode ir. Pode começar a pensar no elenco.

Essa notícia correu o mundo e apareceu em vários periódicos internacionais (The Guardian entre outros) e também na Crescer em duas matérias (maio e junho).


Para além e por trás da notícia

Todas as informações, notícias, relatos abordam, de forma justa, o feito especial de Stephanie Case. Masssssss... eu quero trazer outra visão dessa situação:

Pode fazer exercício e amamentar? O que diz a ciência a respeito? Fazer atividade física interfere na composição, no sabor, na quantidade e na aceitação e consumo do leite materno?

Muito “papo furado”, “conversa fiada” (nossa, entreguei idade nessa). Enganação, enrolação, mentira até chegarmos na atual Fake News.

Segundo algumas orientações, mulheres que passam pelo parto “normal” podem começar a se exercitar, em leve ou moderada intensidade, 30 dias após o parto, enquanto a cesariana restringe esse início para entre 40 e 60 dias, em ambas as situações após avaliação médica.

Existe um “cuidado”, muitas vezes excessivo e restritivo, direcionado às mães que amamentam, no que diz respeito à atividade física de moderada a vigorosa, sempre com a recomendação da atividade leve, que, muitas vezes, as faz desistir de se exercitar.

Existem situações clínicas em que qualquer atividade física deve ser contraindicada tanto na gestação quanto no pós-parto, o que justifica essa análise por uma equipe especializada.

Além disso, existem circunstâncias da vida da mulher que podem dificultar essa prática por algum tempo como a falta de suporte para cuidar do bebê na ausência da mãe e o cansaço.

O Guia de Atividade Física para a População Brasileira aborda especificamente o grupo de gestantes e mulheres no pós-parto, com as recomendações das possibilidades e restrições nessa fase e nessa área, do ponto de vista físico.


Atividade Física e o Leite Materno

Estudo publicado no Breastfeeding Medicine avalia o efeito da atividade física (AF) na composição e volume do leite produzido.  Foram analisadas 124 amostras de leite materno de 31 mães. Os resultados demonstraram que “a AF de moderada a alta intensidade não afetou os macronutrientes (gordura, carboidratos, proteína) nem o conteúdo energético. O volume de leite também não foi afetado pela AF” e conclui que “as mães lactantes podem ficar tranquilas quanto ao volume e à composição do leite materno ao praticar atividade física de intensidade moderada a alta”.

Já a Associação Australiana de Amamentação reforça a importância do exercício como parte importante da vida de muitas mães, incluindo as que amamentam, melhorando bem-estar, reduzindo níveis de estresse e o condicionamento físico e a saúde do coração. E o artigo complementa que exercício moderado não afeta a produção do leite, sua composição (nutrientes, minerais e fatores imunológicos).

Uma das grandes preocupações é o acúmulo de ácido lático no leite materno após atividade física alterando seu sabor, tanto que existem algumas recomendações para aguardar 30 a 60 minutos após o exercício para amamentar seu bebê por conta da presença dessa substância.

Exercícios de leve a moderados não causam aumento de ácido lático no leite materno. Atividades intensas podem provocar essa mudança (aumento), mas sem prejuízos à sua composição e sem estudos robustos que comprovem a rejeição do leite pelo bebê por conta dessa substância.

Já o La Leche League do Reino Unido sugere que amamentar antes de se exercitar pode trazer mais conforto, por diminuir o peso das mamas durante a atividade física. No caso de atletas profissionais ou de elite, com treinamentos mais vigorosos, que “precisam ficar longe dos bebês por mais de 24 horas, pedem a alguém que leve o bebê aos pontos de controle para que possam alimentá-lo (e, às vezes, extrair/bombear leite) enquanto se reabastecem. Outras também podem extrair/bombear leite para deixar com um cuidador para o bebê enquanto estão fora”. 

Assim como Stephanie Case, Jasmin Paris, corredora de montanha e ultramaratonista, amamentou seus dois filhos por 15 e 22 meses e, durante esse período participou de várias provas, inclusive vencendo o Campeonato Britânico de Corrida de Montanha (2.018).


Na linha de chegada (ou para concluir)

Cada caso é um caso e deve ser analisado individualmente. Após um período inicial de recuperação física, com cuidados com a musculatura do assoalho pélvico, todas as mulheres podem voltar à sua prática esportiva habitual, SEMPRE com avaliação profissional adequada (médicos, preparadores físicos, nutricionistas entre outros).

Quem já eram atleta antes de engravidar pode retomar seus treinamentos vigorosos e manter a amamentação, inclusive durante competições.

Para outras mulheres que praticam atividade física regularmente, a amamentação não é um impeditivo para reiniciar os seus exercícios e nem para aumentar sua carga.

E para finalizar, não existe nenhuma contraindicação da atividade física no que diz respeito à composição do leite materno ou de uma alteração de gosto que prejudique a amamentação.

E seguindo alguns bordões das academias (adaptados):
Liberte a atleta que existe em você e amamente.
Reclamar não queima calorias. Amamentar sim.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545