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Simplicidade: como planejamentos mais realistas podem impactar o aleitamento materno

Do site da Crescer

O pediatra Moises Chencinski ressalta estudos sobre temas muito básicos, "que reforçam questões que imaginávamos tão sabidas, mas que ainda acontecem, apesar de todo conhecimento e investimento, e interferem de forma comprovada na amamentação". Confira!

por Dr. Moises Chencinski - colunista

21/05/2023

"Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.”
Essa frase é de Manuel Bandeira, um dos mais importantes poetas brasileiro, em sua poesia “Belo, Belo” de 1949 (livro Lira dos Cinquent’anos). 

Muitas vezes, procuramos atingir grandes metas, imaginando que o básico já esteja bem estabelecido. E aí, vem a surpresa (ou não...). A proposta não atinge seus objetivos. E, na análise, se percebe claramente que o básico, a estrutura, o primeiro passo não estavam ainda firmes. E olha que o começo foi com vários passos na tentativa de atingir mais objetivos, mais rapidamente.

Uma longa viagem começa com um único passo.”
Atribuído a Lao-Tsé, autor do "Tao Te Ching", a obra basilar da filosofia taoísta.

Quando se fala sobre aleitamento materno (AM) não é diferente. Por mais que:
- Se façam estudos ultraespecializados sobre o leite materno;
- Se comprovem suas ações benéficas;
- Se divulguem essas ações;
- Se acolham as mães que querem, podem e conseguem amamentar ou as que, por alguma razão, não querem, não podem ou não conseguem amamentar;
- Se façam campanhas de informação sobre a relevância do leite materno e da amamentação na saúde e no vínculo materno-infantil;
- Se conheçam as “armas” utilizadas pelo Marketing das indústrias de substitutos do leite e do seio materno;
- Se... e muitos outros “Ses”, e tudo junto e misturado...

Observamos que as estatísticas nacionais e mundiais de aleitamento materno não têm atingido os objetivos propostos.

Por que isso acontece?
“São tantas emoções...”

- Metas surreais? Para 2.030, o projeto de atingir 70% das crianças abaixo de 6 meses em aleitamento materno exclusivo no mundo. Se nem os 50% propostos para 2.025 ainda conseguimos no Brasil, com aumento de 8% em 13 anos (2006 a 2019).

- Planejamento inadequado? Contar com o suporte de leis e apoio financeiro dos governos, através de licenças maternidade, paternidade e parental (essa nem nos sonhos) remuneradas e adequadas.

- Interesses e lobby forte das indústrias? Que é onde está o verdadeiro poder econômico e, por incrível que pareça, se define o “futuro” de bebês.

Vamos estar parando” por aqui e “vamos tentar estar continuando” de outra forma. Essas nós já sabemos aonde chegaram, ou não chegaram. 

Esses são 4 artigos bem recentes, sobre temas muito básicos, que reforçam questões que imaginávamos tão sabidas, mas que ainda acontecem, apesar de todo conhecimento e investimento, e interferem de forma comprovada no AM.

O primeiro deles aborda o aparecimento de bolhas e pústulas nos mamilos, geralmente, devido a técnicas incorretas, possivelmente geradas pela falta de informação adequada sobre o processo de amamentação.

Esse estudo, realizado na Indonésia, que apresenta uma taxa de 79,3% de dor mamilar contra 56,4% no resto do mundo, teve como objetivo reconhecer os efeitos das técnicas de amamentação nos mamilos doloridos em 85 mães no pós-parto.

Os resultados mostraram que, após orientação apropriada, houve uma redução significativa no grau de mamilos doloridos.

Proposta: Ampliação de conhecimentos e percepções sobre AM em puérperas, principalmente primíparas.

Um segundo estudo, realizado na Índia, abordou 576 bebês em aleitamento materno exclusivo (AME), entre 0 e 14 semanas de vida para avaliar o efeito de técnicas adequadas de amamentação nas taxas de evolução de peso.

Os lactentes foram divididos em 2 grupos: um controle (GC-276 bebês) e um com intervenção (GI-300 bebês), com orientação durante as consultas de pré e pós-natal, sobre a posição invertida, pega apropriada, “esvaziamento” de uma mama antes de passar para a outra e acompanhamento do peso.

As conclusões mostraram que:
- O ganho de peso do GI foi significativamente maior do que o do GC;
- A prevalência de baixo peso foi 3 vezes menor no GI do que no GC;
- Bebês do GI tinham 2,65 vezes mais chances de atingir um ganho de peso de 30 g ou mais por dia em comparação com os bebês no GC.

Proposta: Enfatizar a garantia de que o AME seja "eficaz" para a transferência ideal do leite materno por meio da adoção de técnicas apropriadas.

O terceiro, na Arábia Saudita, investigou a associação entre o AME e o crescimento infantil, medido pelo peso, altura e perímetro cefálico, de 103 lactentes, em comparação com os gráficos do CDC.

Os resultados demonstraram que 96,2% das crianças em AME apresentavam seus pesos e comprimentos dentro da faixa normal do gráfico de crescimento entre o percentil 10 e 90. O AME, entretanto, não afetou o perímetro cefálico.

Proposta: Apoiar a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Academia Americana de Pediatria e do UNICEF de AME durante os primeiros 6 meses de vida como uma chave para o crescimento e desenvolvimento saudáveis.

E o quarto, também da Indonésia, traz um comparativo do risco de diarreia (um fator significativo para morbidade e mortalidade em todo o mundo para crianças menores de cinco anos de idade), em lactentes em Aleitamento Materno Exclusivo (AME) e Não Exclusivo (AMNE).

Foram analisados 152 bebês, 76 em AME e 76 em AMNE. Os resultados comprovaram que lactentes que não foram amamentados exclusivamente tinham 12,065 vezes mais risco de sofrer de diarreia quando comparados com os que tiveram AME.

Proposta: Para diminuir os riscos de diarreia em lactentes, incentivar o AME.

Essas são pesquisas que abordam temas muito básicos sobre o aleitamento materno, que deveriam ser de conhecimento e aplicação universais, mas que, por alguma razão, “não vingam”.

Proposta?
Avaliação e validação da situação, com visão macro, mas reconhecendo fatores culturais, sociais, econômicos regionais. Planejamento mais realista. Reavaliação periódica das propostas e resultados para ajustes na trajetória.

O que eu faço é uma gota no meio de um oceano. Mas sem ela, o oceano será menor”.
Madre Teresa de Calcutá

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545