Publicações > Meus Artigos > Todos os Artigos

VOLTAR

Amamentar (também) é poesia

Do BLOG da Editora Timo

A poesia pode ser definida como a expressão clara de sentimentos confusos

por Dr. Moises Chencinski - colunista

18/05/2023

Frase atribuída a Wystan Hugh Auden (W. H. Auden - 21/02/1907 – 29/09/1973), cuja poesia tinha, além das técnicas e estilos, um engajamento com a política, a moral, o amor e a religião, e sua variedade quanto ao tom, forma e conteúdo. 

Será que sou eu, ou para onde eu olho, o que eu leio, o que eu escuto, o que eu penso e respiro me leva ao aleitamento materno?

Amamentar pode ser facilmente identificado com “uma expressão clara de sentimentos confusos”. Então, amamentar é poesia.

E existem alguns tipos de poesia (não confundir com poema, que é um texto escrito em versos, distribuído em estrofes e às vezes tem rimas).

Poesia pura: vertente da poesia moderna que nega a expressão do sentimento individual, bem como qualquer elemento grotesco (está no dicionário).

Nega a expressão do sentimento individual”. Não conheço nenhuma mulher que amamenta para ela, por ela. Uma mãe amamenta suas crias, uma de cada vez, ou todas juntas. Os benefícios acontecem sim. Acontecem para as crianças e para ela. Mas amamentar também beneficia a família, a sociedade, o ecossistema.

“...bem como qualquer elemento grotesco”. E ainda assim, há reações contrárias à amamentação em público. Ainda assim, é necessária uma lei que puna quem constranger uma mulher de alimentar sua cria, através do seu seio, quando, como, onde ela quiser, precisar, estiver.

Poesia épica: poema heroico, de narrativa extensa, exaltando grandes feitos de pessoas, geralmente em combates (vou ter que dividir a autoria com o dicionário...).

Poema heroico”. É inacreditável, mas amamentar, hoje, é um ato de resistência, resiliência, persistência. Fumar, beber, hoje em dia, tem muito menos desafios e obstáculos do que amamentar. Alimentação industrializada (fast food), estacionar em fila dupla, hoje em dia, geram menos reações do que amamentar. Mãe que opta por amamentar, hoje em dia, é uma heroína, conseguindo ou não.

“...de narrativa extensa”. A recomendação é, ainda, aleitamento materno desde a sala de parto até dois anos ou mais, exclusivo e em livre-demanda até o sexto mês. E a narrativa se torna mais extensa porque ela é diária. Quem é mãe tem uma história pra contar todos os dias a respeito de seu processo de amamentação.

exaltando grandes feitos de pessoas”. A primeira pessoa a ser exaltada é ela mesma. Sim, a mãe. Apesar de tudo e de todos, é importante que ela saiba que a decisão é dela. Se ela tiver uma rede de apoio acolhedora, uma equipe de saúde materno-infantil com olhar atento e escuta ativa, um local de trabalho ético e parceiro, ela terá o que exaltar. Se bem que nada disso deveria ser exaltado. Deveria ser absolutamente natural e esperado.

geralmente em combates”. Para que fique claro que a ideia de poesia não estaria ligada só ao “romântico”, ao “amor”, à “leveza”, apesar de esses momentos também existirem no caminho. Mas, e continua sendo difícil explicar, a mãe que quer amamentar quase não tem sossego. E, apesar dos combates, ela chega lá.

Nas grandes batalhas da vida, o primeiro passo para a vitória é o desejo de vencer” (atribuída a Ghandi). E isso, ela tem. E muito.

Poesia satírica: livre na forma e na métrica, que censurava as instituições, os costumes e as ideias da época, em estilo irônico ou indignado (adivinha... ainda... dicionário).

Livre na forma e na métrica”. A forma pode ser exclusiva, mista, predominante. Mas sempre aleitamento materno, entre as mães que escolhem amamentar. Se podem. Como podem. E a métrica vai na medida do possível. Quando podem. Enquanto podem.

“...que censurava as instituições, os costumes e as ideias da época”. Não pode amamentar deitada. Não pode fazer cama compartilhada. Não pode amamentar o sobrinho. Não pode não amamentar. Não pode amamentar em público. Não pode amamentar por tanto tempo. Muitas instituições. Muitos costumes. Tantas ideias. Todas as épocas. E, apesar disso, a humanidade existe desde a era das cavernas. E a humanidade sobrevive, desde antes da revolução industrial. E a humãenidade é responsável por essa revolução dos costumes.

 “...em estilo irônico ou indignado”. E manifestações de amamentações em público (os MAMAÇOS – maiorrrapoio desde o início, estive lás – plural porque fui em muitos). E o leite jorrado, caetanamente, emblemática, publicamente e cinicamente censurada (por ferir a moral e os bons costumes da época). Mas, mesmo aí, saindo do confronto para um final de conciliação:

Ê, ê, ê, ê, ê
Dona de divinas tetas
Derrama o leite bom na minha cara
E o leite mau na cara dos caretas.”

Ê, ê, ê, ê, ê
Vaca de divinas tetas
La leche buena toda en mi garganta
La mala leche para los puretas (Gíria espanhola, que significa “careta”.)

Ê, ê, ê, ê, ê
Dona das divinas tetas
Quero teu leite todo em minha alma
Nada de leite mau para os caretas

Ê, ê, ê, ê, ê
Deusa de assombrosas tetas
Gotas de leite bom na minha cara
Chuva do mesmo bom sobre os caretas”.

Como não pensar na amamentação como manifestação da arte de cada mãe, com seus sentimentos, sua luta, única, sua poesia?

Quando se busca a origem, a poesia tem raiz no latim como poesis, mas sua origem está no grego como poíesis, que indica a ideia de criar ou fazer. Grego e latim. As duas origens. Uma origem em cada “seio da nossa cultura, da nossa linguagem”.

E o que tem mais poder do que o leite materno para “criar ou fazer”? Cria nutrição. Cria imunidade. Cria proteção. Cria uma vida. Cria um ser humano. Cria ou faz? Tanto faz. Tanto cria.

No século IV a.C., Aristóteles dividiu a atividade humana em três categorias:

- Teoria: a busca do verdadeiro conhecimento;
- Práxis: a ação que vai resolver problemas, a prática;
- Poiesis: o impulso do espírito humano que cria algo a partir de imaginação e dos sentimentos.

Amamentar tem a teoria, a práxis e a poiesis em conjunção, em harmonia.

Poesia – sentimentos.

Se minha poesia pretende atingir alguma coisa, é libertar as pessoas dos limites em que se encontram e que se sentem.”
Jim Morrison (cantor, compositor e poeta, vocalista da banda The Doors).

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545