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Amamentação em público: um tabu que ainda persegue mães e filhos pelo mundo

Do site da Crescer

"Vida de mãe não é fácil nem aqui, nem na China... e nem na Austrália", diz o pediatra Moises Chencinski, ao abordar os preconceitos e as situações constrangedoras que as mães de todo o planeta são colocadas, pelo simples fato de amamentarem seus filhos

por Dr. Moises Chencinski - colunista

14/03/2023

"Senhora, você não tem permissão para amamentar um bebê no tribunal. Vai ser no mínimo uma distração para o júri e vou ter que pedir para você sair".

Essa cena aconteceu no Tribunal do Condado de Victoria (Melbourne – Austrália), enquanto uma mãe, que assistia a um julgamento, amamentava seu bebê.

A situação constrangedora e humilhante, protagonizada pelo juiz Mark Gamble, provocou reações, manifestações e críticas dentro e fora do país. A Associação Australiana de Amamentação (ABA) a Ministra da Primeira Infância, a Associação Parenthood, entre outras, reagiram decepcionadas e de forma contundente a esse fato.

Em 2.003, Kirstie Marshall, membro da Assembleia Legislativa do estado de Victoria, foi convidada a se retirar do local para amamentar sua filha com 11 dias de vida para uma “sala reservada para isso”.

Já em 2016, uma mudança de regras no Parlamento que permitiu que as legisladoras amamentassem seus bebês na Câmara, sendo que a Senadora Larissa Waters, vice-líder do Partido Verde da Austrália, foi a primeira mulher que usou desse direito no parlamento federal.


Conhecendo a Austrália

Capital: Camberra
População: 25.788.000 habitantes.
Extensão territorial: 7.692.024 quilômetros quadrados.
Expectativa de vida: 80 anos (homem), 84 anos (mulher)
Fonte: ONU, Banco Mundial

A Austrália é considerada como um dos melhores países do mundo para se viver, segundo comparações internacionais considerando riqueza, educação, saúde e qualidade de vida. Segundo a OCDE, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, "os australianos estão mais satisfeitos com suas vidas do que a média dos 38 países que compõem a OCDE". A Austrália tem altos índices de participação cívica, emprego, saúde e expectativa de vida.

Desde 2014, a Lei de Discriminação Sexual – Ato-1984 proíbe a discriminação com base principalmente no sexismo, homofobia, transfobia e bifobia, mas também sexo, estado civil ou relacionamento, gravidez real ou potencial, orientação sexual, identidade de gênero, intersexo status ou amamentação em uma variedade de áreas da vida pública. Essas áreas incluem trabalho, acomodação, educação, fornecimento de bens, instalações e serviços, atividades de clubes e administração de leis e programas da Commonwealth.

Seção 7AA da Lei de Discriminação Sexual – Ato-1984 proíbe especificamente a discriminação contra uma mulher por causa de sua amamentação, tanto em local público ou semipúblico. Uma das questões é que o site da Comissão de Oportunidades Igualitárias e Direitos Humanos de Victoria não informa se a legislação se aplica às salas do tribunal. Oi? Mesmo?

Segundo a ABA, na Lei Federal Australiana, a amamentação é um direito, não um privilégio, sendo ilegal discriminar uma pessoa direta ou indiretamente com base na amamentação.


E como são taxas de amamentação na Austrália?

Mesmo com uma legislação favorável, os dados divulgados em junho de 2.022 pelo Escritório Australiano de Estatísticas não são tão animadores.

Apesar de, aos 12 meses, 51% dos bebês ainda receberem leite materno e de a maioria (95,9%) das crianças de 0 a 3 anos ter recebido leite materno alguma vez na vida, as taxas de aleitamento materno exclusivo aos dois (74,8%), quatro (66%) e seis meses (35,4%) mostram uma queda significativa com o tempo, distanciando esses números das expectativas da OMS para 2.025 e 2.030.

A ABA é reconhecida como a principal autoridade do país em amamentação, “apoiando, educando e defendendo uma sociedade inclusiva de amamentação. A amamentação é uma habilidade prática e aprendida e a ABA visa apoiar as mais de 300.000 mulheres que dão à luz na Austrália a cada ano para amamentar seus filhos pelo tempo que quiserem”.


Tenho algumas dúvidas

- Será eu a Lei de Discriminação Sexual de 2.014 não é clara?
- Será que a atitude desse juiz não foi contra a lei?
- Será que as leis, só lá na Austrália, são passíveis de interpretações de acordo com os interesses de quem as aplica?
- Será que se fosse uma juíza, essa mãe seria “convidada a se retirar” do tribunal por amamentar?
- Será que o júri se manifestou ao juiz, solicitando que a mãe fosse retirada do ambiente porque eles não conseguiam se concentrar em sua função devido à cena?
- Será que essa mãe, deliberadamente, estava no tribunal com a intenção de distrair o júri e o juiz?
- Como será que essa mãe e esse bebê estavam se comportando para chamar a atenção do juiz a ponto de distraí-lo?

Um estudo publicado em 2.010, no Jornal de Pediatria (recomendo a leitura), embasado em extensa fonte de bibliografia, explica quais foram os alimentos utilizados ao longo da história para nutrir lactentes (esse é o nome do artigo).

A publicação mostra a importância do aleitamento materno (ou através do leite de outra mulher, quando a mãe, por qualquer razão, estava impossibilitada) na sobrevivência da espécie. E, mesmo quando animais foram domesticados e as fêmeas passaram a ser ordenhadas, o leite substituto, que com o passar de muito tempo foi industrializado (fórmulas infantis) foram associados, pela história, junto com a introdução precoce de alimentos. a comprometimento da saúde das crianças.

O que me leva às duas perguntas mais intrigantes:

Será que algum dia, uma mãe que esteja amamentando seu filho, da maneira mais tradicional, que nos manteve como espécie saudável desde que o mundo é mundo, deixará de ser importunada?

Será que algum dia, um bebê com fome poderá ser amamentado em qualquer lugar, sem provocar reações de outro “ser humano” que, muito provavelmente, já foi amamentado em algum momento de sua vida?

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545