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Políticas públicas. Você sabe o que é isso?

Do BLOG da Editora Timo

O ideal? Que isso fosse matéria de ensino básico, fundamental, passando por “todos os ensinos” até todos os cursos superiores, especialmente em áreas que abordam saúde materno-infantil. Não é.

por Dr. Moises Chencinski - colunista

22/08/2022

Hoje o texto não tem (muito) humor. Ele tem leis, números e pode até parecer (ou até ser) meio chato de ler. Mas é tão importante, tão fundamental, que eu recomendo. Rsrsrs (Sim, sou suspeito). 

Segundo o site da FIOCRUZ (nessa época de eleições, sem acesso permitido), as políticas públicas, por definição, são conjuntos de programas, ações e decisões tomadas pelos governos nacional, estadual ou municipal que afetam a todos os cidadãos, de todas as escolaridades, independente de sexo, cor, religião ou classe social.

E quando elas são voltadas para a saúde, integram o campo de ação social do Estado orientado para a melhoria das condições de saúde da população e dos ambientes natural, social e do trabalho.

Simplificando?
São programas e leis elaborados pelo governo. que têm como foco a população geral, para melhorar sua qualidade de saúde e de vida.

Para isso é fundamental que se conheça a situação e forma adequada e precisa, que se tracem metas e que se criem as condições para o seu sucesso.

Um dos documentos e instrumentos de avaliações para se criar e acompanhar as políticas públicas foram definidas no marco da Iniciativa “A Saúde Pública nas Américas”. São 11 funções que não vou detalhar aqui, mas ressaltar algumas (citando).

Função Essencial n. 1: Monitoramento, análise e avaliação da situação de Saúde do Estado. 

Função Essencial n. 2: Vigilância, investigação, controle de riscos e danos à Saúde. 

Função Essencial n. 6: Capacidade de regulamentação, fiscalização, controle e auditoria em Saúde.

Baseado nessas 3 (entre as 11), quero abordar 2 situações interessantes de políticas públicas no Brasil que mereceriam muito mais nossa atenção e não apenas nossas críticas.

1-   Projeto de Lei do Senado n° 514, (05/08/2015)

Após uma consulta pública, com resultado apurado em 22/08/2018 (5613 votos a favor e 183 votos contra), esse PLS, que garante o direito à amamentação em público, transformando em crime a sua violação, que também ensejará indenização por danos morais à vítima, foi aprovado e remetido à Câmara dos Deputados para análise em 20/03/2019.

Ao chegar à Câmara dos Deputados, ele mudou para PL 1654/2019 e começou sua trajetória passando pela Mesa diretora da Câmara dos Deputados (05/04/2019) e por uma série de siglas - CCP, CCJC, PLEN, MESA, CCP, CCJC, CMULHER, PLEN, MESA (16/12/2019), CMULHER (11/03/2021), CCP, CSSF, CCP, CSSF, CCP, CCJC, CCP, CCJC – onde está desde 02/09/2021, quando foi designada relatora a Dep. Bia Kicis.

Você sabia que você pode acompanhar qualquer PL da Câmara dos Deputados por e-mail, bastando para isso se cadastrar? Basta clicar em “Cadastrar para acompanhamento” no canto superior da tela da tramitação de qualquer proposição e preencher os dados solicitados. Você já fez isso? Eu faço e fiz em 04/07/2022 às 8:12 (para exemplificar em atividades da 31ª Semana Mundial de Aleitamento Materno e 6º Agosto Dourado - Lei 13.435 - 12/04/2017) e recebi a resposta às 12:08 do mesmo dia. Rápido né? Muito rápido.

Foram 4 horas para receber uma resposta esclarecendo que esse PL está aguardando parecer da relatora há praticamente 1 ano. E esse é um processo que dura 7 anos, entre o Senado e a Câmara dos Deputados.

A única decisão dessa lei é garantir à mãe o direito de amamentar em público, se ela quiser, sem que ela seja constrangida e, caracterizando essa ação como crime, passível e punição quando denunciado. Qual o custo gerado após a aprovação dessa lei? ZERO.

O projeto existe, dura 7 anos em tramitação (Senado e Câmara dos Deputados), teve 2 anos de paralisação (12/2019 – 03/2021) e está há 1 ano (02/09/2021) aguardando andamento. Volte alguns parágrafos e analise as 3 funções essenciais especificadas e conclua que cada um de nós que tem interesse nessa lei é responsável por desconhecer ou por não fiscalizar a sua aprovação. Tá esperando o quê para se cadastrar e acompanhar o PL? E até questionar qual a razão de não termos, ainda, uma lei federal (política pública) que proteja, de forma equalitária, todas as mulheres do país, independente de idade, local de moradia, número de filhos, que queiram amamentar em público. 

2-   ENANI (Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil de 2019)

O Brasil é considerado exemplo no mundo no que diz respeito ao aleitamento materno. Juro. Sabe a razão. Pesquisas realizadas em 1986, 1996 e 2006 mostram uma grande evolução da amamentação no Brasil como, por exemplo, um aumento de 4,7% para 45,9% de crianças abaixo de 4 meses em aleitamento materno exclusivo (AME - só leite materno, sem água ou qualquer outro alimento) nesses 20 anos (1986 a 2006). Nesse mesmo período (20 anos), o AME em crianças menores de 6 meses passou de 2,9% a 37,1%. Que ma-ra-vi-lho-so.

Isso aconteceu às custas de políticas públicas implementadas no Brasil após análises e estudos que deram muito certo. Mas muito mesmoooo. Alguns dos “responsáveis” por esse sucesso são o Código Internacional para o Comercio de Substitutos de Leite Materno, o projeto de Rede Nacional de Bancos de Leite Humano, a IHAC (Iniciativa Hospital Amigo da Criança), EAAB (Estratégia Alimenta e Amamenta Brasil), a NBCAL (Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes), normas para Alojamento Conjunto nas maternidades e muitas outras.

Desde 2.006 não tínhamos um estudo nacional que analisasse as nossas taxas de aleitamento materno, esperado para 2.016 (publicado a cada 10 anos), mas realizado em 2.019 (ENANI-2019), coordenado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em conjunto com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense e Fundação Oswaldo Cruz. E a partir daí, com os resultados apresentados do ENANI-2019, e vou apenas focar no Relatório – 4, que aborda o aleitamento materno, as análises passaram a ser controversas. Alguns grupos ficaram muito satisfeitos e felizes com a evolução, enquanto outros (entre eles, principalmente eu) tinham (e continuam tendo) outra visão.

As nossas taxas de AME em crianças menores de 4 meses, passaram de 45% para 60% (15% em 13 anos) e de 37,1% para 45,7% (8,6% em 13 anos) para crianças menores de 6 meses.

Sabe aquele cara chato, aquele que presta atenção em tudo, lê tudo, questiona tudo e todos? Esse cara sou eu. Quantos de vocês leem introdução de um trabalho, ou de um livro? Eu leio. E posso garantir que muito pouca gente leu a introdução do ENANI ou viu todas as tabelas lá demonstradas. Se tivesse lido, certamente ficaria tão preocupado como eu. Vamos lá.

A tabela B-13 traz a prevalência do aleitamento materno exclusivo por mês de vida entre menores de 12 meses (mas quero mais uma vez focar entre 0 e 6 meses).

Com 0 meses (antes de 1 mês de vida), 75,1% das crianças estão em AME. Essa taxa fica em 73,1%. Aos 2 meses ela cai para 54,3% (- 18,8%). Aos 3 meses – 46,9% (-7,4%). Aos 4 meses - queda importantíssima para 26% (- 20,9%). Aos 5 meses essa taxa atinge 20% (-6%) e aos 6 meses, atenção, a taxa de crianças em AME é de 1,3%.

Poucas análises:
- Já no 1º mês de vida – 25% das crianças não estão mais em AME.
- Entre 1 e 2 meses, 3 e 4 meses e 5 e 6 meses temos quedas de cerca de 20% nas taxas.
- Aos 2 meses, 54,3% das mães já pararam de amamentar exclusivamente. Dados para ajudar na reflexão. 40% das mulheres trabalham em emprego informal, sem licença remunerada. Grande parte delas tem papel importante na renda familiar, quando não são a única renda da família e precisam voltar ao trabalho muito antes dos 6 meses recomendados.
- Aos 4 meses, quando acaba a licença maternidade da maioria das mães no Brasil, apenas 26% das crianças estão em AME. Estender a licença maternidade para 6 meses para todas as mulheres, política pública importante e fundamental, terá um impacto muito, muito pequeno.
- E aos 6 meses, ... nem vou comentar. Muita tristeza.

Assim, quando vamos propor políticas públicas, é fundamental conhecermos nossa realidade. Precisamos agir antes do mês 0. Não podemos partir de uma taxa de 75% sendo que, em outro dado do ENANI, apenas 62,4% das crianças são amamentadas na 1ª hora de vida. Então mães precisam de orientação e apoio desde antes do parto.

O ideal? Que isso fosse matéria de ensino básico, fundamental, passando por “todos os ensinos” até todos os cursos superiores, especialmente em áreas que abordam saúde materno-infantil. Não é.

Então, no mínimo, que aleitamento materno fosse protegido, apoiado e promovido desde o pré-natal, por profissionais atualizados, éticos, sem conflitos de interesse para que, no mês 0, partíssemos de 100% e não de 75%. E que cada uma das situações e dos desafios fossem abordados por formadores de política pública que soubessem ler e avaliar a situação e fazerem propostas adequadas.

E cabe a nós a fiscalização do cumprimento dessas leis. E olha que eu nem falei da NBCAL, tão atacada e tão necessariamente presente. Precisamos mudar a história desse país. Essas crianças serão o nosso futuro. Já imaginou?

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545