Publicações > Meus Artigos > Todos os Artigos

VOLTAR

Tudo o que você precisa saber sobre o cocô do seu filho

Do site e na Revista Crescer

O cocô diz muito sobre a saúde das crianças. Veja como o intestino se desenvolve, a importância dos alimentos nesse processo e o que esperar em cada fase

por Alini Dini

22/03/2018

Falar sobre cocô é constrangedor. Não é assunto para hora do almoço, muito menos para uma roda de amigos. Pelo menos não até se ter um bebê em casa, quando a gente descobre a necessidade de saber mais do número dois. E a conversa passa a rolar de maneira tão natural, que, quando você se dá conta, compartilha no grupo de WhatsApp da família as últimas “novidades” sobre as fezes do seu filho. 

Aprendemos com os nossos filhos, aliás, que o cocô é um excelente indicador de saúde, para o bem e para o mal. Mas para muito além do bolo fecal em si, as bactérias que habitam tanto o cocô quanto o intestino são ainda mais importantes. 

Como se forma a flora intestinal do bebê

O intestino do bebê começa a se formar na quarta semana de gravidez, mas sua função é praticamente nula enquanto a criança está no útero. A “colonização” do intestino do recém-nascido só começa na hora em que ele nasce e passa através do canal vaginal, entrando em contato com os microrganismos da flora da mãe. “Esta é uma das razões pelas quais o parto normal representa uma vantagem para os bebês”, explica o gastropediatra Mauro Batista de Morais, professor de gastroenterologia pediátrica da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo.

Na prática, isso significa que o desenvolvimento da microbiota (outra maneira de chamar a flora intestinal, ou seja, o conjunto de bactérias que vivem ali) dos bebês nascidos de parto normal sai à frente em comparação com as crianças que nasceram de cesárea, uma vez que sua função está diretamente relacionada à nossa nutrição e imunidade.

Essa relação já foi comprovada por inúmeras pesquisas. Uma das últimas, feita pela Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard (EUA), com 22 mil bebês, sugere que os nascidos de parto normal têm menos chances de se tornarem obesos na vida adulta.

Uma tentativa da medicina, ainda em fase de testes, para aproximar o contato com essas bactérias em cesarianas consiste em passar o fluido vaginal da mãe na pele do bebê – o que é chamado de seeding (semear, em inglês). Estudos mostram que isso contribui para a flora intestinal do recém-nascido ficar mais parecida com a dos que nascem por parto vaginal. No entanto, a técnica não está livre de riscos de infecção e, por isso, ainda não faz parte dos protocolos médicos.

As primeiras fezes do bebê

Falar do número dois é falar também de alimentação, obviamente. E como você já deve ter ouvido, o leite materno é o alimento ideal nos primeiros meses de vida. Rico em carboidratos e prebióticos (nutrientes que têm efeito semelhante aos da fibra alimentar), ele ajuda a manter a flora intestinal equilibrada.

As primeiras fezes do bebê se chamam mecônio e são caracterizadas pela textura pegajosa e coloração verde-escura, quase preta . Lá pelo quinto dia, elas começam a clarear, variando de amarelado a marrom, com consistência líquida a pastosa.

O cheiro do cocô é um indicador do tempo que ele ficou dentro do intestino. Quanto maior o contato com as bactérias do organismo, mais intenso será seu odor. Bebês que mamam exclusivamente no peito não têm cocô de cheiro tão ruim quanto os que tomam fórmula ou já comem alimentos sólidos.

Sobre a frequência, não existe um único padrão. Existem bebês que fazem cocô a cada mamada e os que demoram até sete dias para evacuar. “Tanto um quanto outro estão dentro da normalidade quando o bebê se alimenta exclusivamente de leite materno”, tranquiliza o pediatra Yechiel Moises Chencinski, presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

Sendo assim, nada de pânico. Mas se notar alguma alteração brusca na frequência ou na coloração do cocô do bebê, atenção! "O mais importante é ficar de olho no comportamento do bebê: se ele estiver bem, sorridente e não mostrar desconforto, não há necessidade de levá-lo ao médico”, completa o gastropediatra Mauro Batista.  Agora, se a criança se mostrar mais irritada ou chorosa, vale conversar com o pediatra. Na maioria das vezes, ajustar as mamadas é suficiente para que a situação se normalize, e, em último caso, o pediatra pode indicar o uso de supositórios ou até medicamentos.

Intestino preso e introdução alimentar

Com as primeiras colheradas, aquele cocô de consistência líquida a pastosa ganha textura mais firme e até pedacinhos de legumes e frutas. Não é à toa que a Sociedade Brasileira de Pediatria indica que a introdução alimentar tenha início somente por volta do sexto mês de vida. Ao nascer, o intestino ainda é pouco apto a dar conta da digestão. Agora, uma vez que o organismo possua mais enzimas que atuam nesse processo, ele está pronto para dar um passo adiante. “O leite continua sendo importante, especialmente pela quantidade de cálcio e proteínas. Mas já não supre todas as necessidades nutricionais da criança, sendo assim, os alimentos sólidos ganham relevância em todo o sistema gastrointestinal”, afirma a nutricionista Elaine de Pádua, mestre em nutrição pela Universidade Federal de São Paulo.

O gastropediatra Morais reforça que é normal e esperado que, nessa fase, o bebê faça cocô com menos frequência – duas vezes ao dia ou até mesmo uma vez a cada dois dias. A explicação é simples: alimentos mais complexos levam mais tempo para serem digeridos. Por isso, não raro, as primeiras papinhas podem ser acompanhadas de prisão de ventre.

Isso pode deixar os pais um tanto preocupados, porém, faz parte do processo de adaptação do intestino aos novos alimentos. O problema é comum também caso o bebê comece a tomar alguma fórmula infantil ou, se já tomava, quando a marca do produto for trocada. “Nessa situação, só mesmo testando diferentes fórmulas até encontrar a que o bebê se adapte melhor”, recomenda Elaine.

Frutas, legumes e verduras, por serem ricos em fibras, ajudam a regular o intestino. A ingestão de água também favorece a formação do bolo fecal. E, se o intestino do seu filho é um pouco preguiçoso, alguns alimentos fazem diferença. Além dos já populares mamão e ameixa, inclua na lista outros, como coco, laranja e abacate.

Se as fezes estiverem muito endurecidas e causarem dor na hora de evacuar, o pediatra pode receitar medicamentos naturais à base de óleos. “O intestino preguiçoso pode contribuir para o problema, já que torna o ritmo das evacuações naturalmente mais lento. Daí a importância de levar em consideração as características de cada criança”, diz a pediatra Mariane Franco, presidente do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), do Pará. Mais uma vez, contenha a ansiedade. Nada de lançar mão de supositórios, só porque o filho da sua prima usou e deu certo. “Eles funcionam como medida paliativa, enquanto a medicação oral não faz efeito. Mas a longo prazo podem piorar o quadro de retenção das fezes, já que as tentativas de fazer cocô tendem a ser desencadeadas com mais dor nessa situação”, completa o gastropediatra Morais. Ou seja, a criança pode segurar com medo de sentir o desconforto.

Quando o bebê começa a usar o penico

Assim como cada criança tem seu ritmo de idas ao banheiro, o mesmo acontece na hora de tirar as fraldas. Parece fácil, mas o processo exige amadurecimento físico, cognitivo e emocional. De forma geral, no entanto, é por volta dos 2 anos que a maioria demonstra os primeiros sinais. “Na psicanálise, esse processo é chamado de independência relativa. Ou seja: a criança está se tornando um ser além da mãe. Nessa fase, os bebês geralmente estão desapegando das mamadas e passam a ter melhor percepção e controle dos esfíncteres, músculos responsáveis por segurar o xixi e o cocô”, explica a psicóloga materno-infantil Raquel Benazzi, de São Paulo (SP). 

O desfralde diurno acontece primeiro que o noturno, e o do xixi, antes do cocô. E fique tranquilo se a fralda do cocô do seu filho for mais difícil de tirar. Isso é normal, pois o controle da evacuação exige maior maturidade que o da micção. Para facilitar, uma dica é observar o comportamento da criança: ela fica incomodada com a fralda e/ou avisa que esta está suja? Isso mostra que está pronta. Mas sem pressa. “Há crianças que vão desfraldar totalmente somente aos 3 anos. E não há problema nisso, contanto que a experiência de retirada da fralda não seja traumática nem vista pela criança ou cuidadores como algo ruim, uma obrigação”, diz Raquel. Seja em casa, seja na escola, se o ritmo e a privacidade da criança não forem respeitados, o desfralde pode demorar mais e gerar traumas.

Aos 2 anos e meio, Helena já havia deixado a fralda do xixi. Porém, não queria de jeito nenhum ir até o troninho, a ponto de segurar o cocô. “Quando nos dávamos conta, ela já tinha feito nas calças”, lembra a designer Jeanne Iobbi, 41, mãe da menina. O segredo foi ter paciência. “Com muita conversa junto ao pediatra, apoio da escola e estratégias que envolviam músicas sobre o cocô, troninho musical e até passeio da família ao banheiro para se despedir do número dois, ela foi cedendo”, diz.

De fato, tornar a hora de ir ao banheiro mais lúdica faz diferença: use histórias e brinquedos da preferência da criança para deixá-la à vontade e dê os parabéns (isso mesmo) quando ela conseguir fazer cocô no vaso sanitário ou troninho. Alguns escapes durante o processo são esperados. Evite fazer comparações e repreender o seu filho. Se a dificuldade persistir, vale buscar a avaliação de um profissional para entender o que está acontecendo.

Quando a criança começa a se limpar sozinha

É por volta dos 6 anos que a criança ganha autonomia para ir ao banheiro sozinha, o que inclui se limpar. Ensine-a a fazer a higiene e, mesmo que não saia perfeito, elogie!

Bernardo, 6, mostrou certa resistência. Normal. “Insistimos dizendo que ele poderia estar em algum lugar sem o pai e a mãe por perto, até que ele concordou. E, nas últimas férias escolares, começou a limpar o próprio bumbum sem ajuda”, conta a mãe, a advogada Ana Paula de Almeida Rocha, 26. Ou seja, tudo a seu tempo.

Claro que os pais devem supervisionar a higiene vez ou outra, pelo menos até o filho completar 10 anos. O número dois vai deixar de ser assunto da família à medida que ele se tornar independente, mas nem por isso deve ficar em segundo plano. Afinal, milhões de bactérias estão aí para confirmar: cocô é vida.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545